Postura, a chave para um carro bonito e eficaz (uma introdução)

Iniciado por rpm, 08 de Janeiro de 2012, 20:46

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rpm

1. Introdução

A relação entre as rodas e a carroçaria condiciona sobremaneira o aspecto de um automóvel. A isto vamos chamar postura ou stance. Com a postura certa um carro banal pode subitamente tornar-se muito apelativo. O oposto também pode acontecer, com o carro mais bonito a ficar completamente estragado com uma postura mal pensada.

Comecemos com um carro original. Neste caso a postura é bastante agradável: as rodas ficam um pouco metidas para dentro mas não demasiado e a altura é bastante mas não exagerada. Podemos manter o carro assim e ficarmos muito satisfeitos mas há espaço para melhorias. Notar ainda que há modelos que vêm com uma postura pior e outros com uma melhor, normalmente devido ao grau de desportividade do modelo. Por exemplo, será quase impossível melhorar a postura de um Lexus LF-A. Já um Corolla KE70 por exemplo, dá para melhorar 1000%.



Este tem muito por onde melhorar:




2. Os factores que influenciam a postura

A postura é influenciada por vários factores, nomeadamente a altura da carroçaria, as especificações das jantes e pneus e o camber das rodas.

a) Altura da carroçaria

Um carro mais baixo é mais bonito do que um carro alto. As marcas sabem bem disto pois quando apresentam um protótipo num salão ele é sempre baixinho, para grande desilusão do público quando o jipe que é a versão final é apresentada... E isto acontece porque todos os carros são desenhados como um compromisso. A altura da carroçaria não é excepção, sendo de origem bastante alta para poder suportar pesos elevados, estradas em mau estado, ter curso de suspensão suficiente para poder ser mole e confortável, etc...

Num carro clássico/desportivo que não vai andar em caminhos de cabras e em que a performance toma prioridade em relação ao conforto, rebaixar a carroçaria, quando bem feito, traz vantagens estéticas e de comportamento. Ao rebaixar um carro o curso da suspensão ficará reduzido, portanto para o carro poder suportar as mesmas cargas a suspensão tem de ser mais dura. O rebaixamento deve ser feito com recurso a material apropriado de marcas reputadas (Koni, Eibach, Ohlins e KW são alguns nomes de referência) e nunca deverá ser exagerado, sob pena de o comportamento ficar pior e não melhor que o original. Cortar ou retemperar molas são processos a evitar.

Por exemplo o Civic da foto acima tem 15 cm de altura ao solo. Para um carro com intenções de alta performance, algo como 12 cm proporciona um aspecto mais agressivo e agradável. Sei que um Datsun 100A por exemplo é um verdadeiro jipe com 20 cm de altura ao solo!

b) Especificação dos pneus

Há quem use pneus mais pequenos que os originais para reduzir artificialmente a altura ao solo. Não recomendo este procedimento pois as rodas pequenas vão ficar perdidas no meio das cavas e precisar de um rebaixamento muito mais agressivo para não terem um aspecto ridículo. Para além disso, o conforto e o comportamento ficam afectados, para já não falar nas relações de caixa e erro do velocímetro.

Recomendo que os pneus sejam da medida original ou de diâmetro equivalente pois eles são desenhados para encaixar bem nas cavas do veículo.


c) Especificação das jantes

Para os propósitos da postura as jantes são definidas por 3 dimensões:

1. o diâmetro, medido em polegadas
2. a largura, medida em polegadas
3. o offset, medido em mm

O diâmetro e a largura são do conhecimento geral mas o offset por vezes não.



Vamos usar este diagrama para nos ajudar a perceber. Na figura C é a linha central da jante, M é a superfície de montagem que encosta ao cubo e ET é o offset. Como podemos ver o offset é a distância, em mm, entre a superfície de montagem e a linha central da jante. Um offset positivo significa que a superfície de montagem fica mais perto da face exterior da jante do que da face interior. Um offset negativo significa o oposto.

Portanto, entre duas jantes com a mesma largura, a que tiver o offset mais baixo será a que ficará mais saída.

A notar ainda que há quem use espaçadores entre o cubo e a jante para artificialmente reduzir o offset efectivo da jante. Este é um método de recurso que deve ser evitado sempre que possível.

Antigamente as jantes com offsets baixos eram populares. Hoje em dia, as jantes de offset alto são mais populares, pois têm vantagens a nível dinâmico, nomeadamente largura de vias, menos bump steer, etc...

Para maximizar a qualidade do comportamento dinâmico devemos manter o offset o mais perto possível do original, jogando preferencialmente com a largura da jante. Usar um offset errado compromete a geometria da suspensão desenhada pelo fabricante!

Com base nas 3 dimensões da jante podemos facilmente calcular quanto espaço elas ocupam, espaço esse que é medido relativamente ao cubo onde apertam. Ao espaço ocupado para fora chama-se poke e ao ocupado para dentro inset. Estes são calculados da seguinte forma:

Poke (mm) = (largura da jante *25.4)/2 - offset
Inset (mm) = (largura da jante *25.4)/2 + offset

Com base nisto podemos facilmente calcular quão mais saídas vão ficar umas determinadas jantes em relação às que equipam o carro originalmente e perceber se vão raspar em algum lado ou não.

Nunca comprem umas jantes sem saberem as suas especificações, fazerem as contas e pensarem muito bem se as mesmas vão ficar bem ou não (demasiado para dentro, demasiado para fora, raspar, etc).

De notar ainda a relação entre a largura da jante e a largura do pneu. Cada pneu tem um intervalo de larguras de jantes onde a sua montagem é aprovada. Esta informação é disponibilizada pelo fabricante. Por exemplo, um pneu Toyo R888 195/50 R15 pode ser montado em jantes de 5.5 a 7 polegadas de largura. Tenham então isto em atenção, não comprando jantes demasiado estreitas nem demasiado largas para os pneus que pretendem usar.

Mais uma nota, a largura de secção de um pneu é medida numa determinada jante. Por exemplo, os Toyo anteriormente mencionados têm uma secção de 195 mm quando montados em jantes de 6". Se os montarmos em jantes mais largas que isso o pneu ficará efectivamente mais largo, e o oposto acontence quando os montamos em jantes mais estreitas. Segundo o tire rack, a taxa de mudança da largura do pneu com a largura da jante é de cerca de 5 mm por cada meia polegada a mais ou a menos relativamente à medida de referência.

Portanto, para optimizar a performance do pneu queremos as jantes o mais largas possível dentro das especificações do fabricante. Para conforto, jantes mais estreitas têm vantagem.

Aqui um exemplo de dois Toyo R888 195/50 R15 montados nas jantes dos extremos da sua especificação: 5.5 e 7 polegadas. Acho que não é preciso dizer qual é qual...



d) Camber das rodas

O camber refere-se ao ângulo que as rodas fazem com a estrada quando vistas de frente para o piso do pneu e mede-se tipicamente em graus. Se forem perfeitamente verticais o camber é zero, se ficarem com o topo metido para dentro da carroçaria o camber é negativo. Se ficarem com o topo para fora o camber é positivo.



O camber negativo traz vantagens em curva, por isso as suspensões são normalmente desenhadas para quanto mais comprimidas são, mais o camber negativo aumentar. Num sistema de duplos triângulos, por exemplo, isto é conseguido usando um triângulo superior mais pequeno que o triângulo inferior.

A maioria dos carros apresentam, quando parados um camber de zero ou ligeiramente negativo. Quando se rebaixa um veículo, parte do curso da geometria vai ser perdido, portanto mesmo com o carro parado, o camber será bastante mais negativo. Quanto maior o rebaixamento maior este efeito.

De forma genérica (cada modelo terá os seus valores), se após rebaixamento o camber estiver no intervalo [0, -2] graus, tudo bem. Ganhar um pouco de camber é benéfico para quem quer curvar mais depressa com o carro. Se estiver para além dos -2 graus podemos começar a ter problemas com desgaste irregular dos pneus e travagem deficiente devido à menor superfície de contacto com a estrada.

Para além disso, as rodas vão ficar mais metidas para dentro do que quando o carro tinha a altura de origem. Ou seja, umas jantes que têm bom aspecto num carro com a altura original, podem ficar mal quando o carro é rebaixado!

O desvio causado pelo camber no topo da roda pode ser calculado da seguinte forma:

Desvio devido a camber (mm) = (diâmetro do pneu /2) * seno(camber)

Usando esta fórmula, um carro com pneus 195/55 R15 fica com o topo da roda 5 mm mais para dentro por cada grau extra de camber negativo face à especificação original.

Há carros que vêm de fábrica com capacidade para regular o camber (e.g. S2000, MX-5) e outros que precisam da instalação de braços reguláveis aftermarket para tal (e.g. Civic).

3. A importância de uma visão integrada

Como vimos a postura é influenciada por vários factores que por sua vez se influenciam mutuamente. Para atingir um bom resultado é muito importante termos uma visão integrada do assunto e percebermos bem a interacção entre os vários parâmetros. Se considerarmos as coisas isoladamente ficamos com um carro horrível e muito pior do que o original!

Ao rebaixar um carro demasiado mantendo as jantes originais sem correcção de camber ficamos com um "sunken battleship" ou navio afundado devido ao ganho de camber negativo. Não é bonito:



Ao usar jantes demasiado largas sem olhar ao seu enquadramento nas cavas ficamos com o oposto: um andarilho. Isto é algo que vejo em bastantes clássicos em Portugal, infelizmente.



Quando temos uma aproximação inteligente ao assunto e combinamos a altura certa com o camber e as jantes/pneus certos, voilá, atingimos o "nirvana":



Portanto, resumindo:

De origem: bom
Bem preparado: óptimo
Mal preparado: péssimo

4. Procedimento recomendado

Para evitar erros e arrependimentos há que fazer as coisas na ordem certa:

1 - Rebaixar o carro para a altura desejada;
2 - Inspeccionar a geometria do carro. Se o camber estiver fora do desejado, corrigir com material apropriado.
3 - Medir a folga entre o pneu e a aba da roda e os componentes da suspensão.
4 - Com base na folga medida, escolher uma jante mais larga que traga o pneu para perto da aba sem no entanto entrar em contacto com a mesma ou qualquer outro componente.
5 - Celebrar!
本田技研工業「夢の力」Associado AJA nº 65

Santos Silva

Santos Silva
Sócio Fundador nº7

Kaizen

Rui Coelho
Associado AJA Nº1

kombota

Muito bom trabalho Rui. 

Ficam a faltar as estradas à altura deste apuro técnico.

Neste momento, a minha zona de residência está completamente minada. O único carro que consigo utilizar relativamente descontraído é o Datsun. Facilmente se percebe porque é que há 35 anos eles saiam assim de fábrica.

Cumprimentos e obrigado pela dedicação.

Nelson


prelude guy

EU vou voltar a este tópico, até porque não consegui ler tudo atentamente.
Mas, queria fazer já um alerta. Aumentar a largura da jante pode ser a melhor solução estética e dinâmica para trazer as "rodas" mais para fora. No entanto, muitas vezes a jante original está muito próximo do amortecedor. Por ex. no Celica (TA22 e os outros RWD, por certo), A jante tem 4,5 ou 5 de largura. E um offset de 31. Mas, as da frente estão muito perto do amortcedor.
Se colocar umas jantes com 8 de largura (e com menos não se consegue chegar perto das abas), elas terão de ter um ofsett 2 cm para fora (talvez 11) para não ficar a bater no amortecedor.
De qualquer maneira o pneu costuma ficar mais largo que a jante e por isso, mantendo a largura do pneu, não é por a jante alargar que vai passar a tocar.

Acho ainda que há alguma diferença de trabalho, consoante é um FWD ou um RWD.
Vá, continua, que eu venho aqui trazer mais exemplos práticos.

:thumbsup 
Toyota Celica 1973 vs. Honda Prelude 1982
Luís Duarte (Associado AJA #25)

rpm

Luís, tem toda a razão em relação às tolerâncias. É preciso tirar medidas pois há carros com pouco espaço na parte de dentro, por exemplo quando usam suspensão do tipo McPherson.

Relativamente às diferenças entre FWD e RWD penso que terá mais a ver com a geometria da suspensão criada pelo fabricante. Por exemplo os Peugeot (FWD) usam tipicamente offsets muito baixos, enquanto que um MX-5, S2000 ou NSX (RWD) usam offsets altos.
本田技研工業「夢の力」Associado AJA nº 65

prelude guy

Epá, voltas a tratar-me por você e temos o caldo entornado  >:D

Por offset baixo entende-se por ex. 45? E por offset baixo, por ex. 10?
(É só para clarificar).
Mas, sim era a isso que me referia. A tua pesquisa parece muito centrada na experiência com a Honda, logo FWD, suspensão independente de triângulos sobrepostos.
Mas, há muita suspensão Mcpherson, em especial no trem da frente e que julgo interferirá de forma diferente no camber (ou sopé, como se diz na gíria  ::))

Gostava de perceber como a questão do rebaixamento pode interferir numa suspensão deste tipo.
Quanto a ser desadequado destemperar molas (ou cortar elos) para rebaixar eu percebo e, pessoalmente, nunca faria o que o Pedro fez no 160Z de cortar a mola da frente, para ter o carro bonito e potêncialmente muito perigoso (digo eu  :-X).
O que não percebo é a gravidade dos espaçadores. Desde que se troquem os pernos por outros mais  compridos, e a bolacha assente de modo uniforme em ambos os lado, onde está o mal?

Não é exactamente o mesmo pegar numa jante com ofsett de 45 e colocar um espaçador de 15, do que trocar por uma jante com offset de 30?
 
:eusa_think:
Toyota Celica 1973 vs. Honda Prelude 1982
Luís Duarte (Associado AJA #25)

rpm

#7
Peço desculpa, foi sem querer!

Eu usei fotos de Hondas porque é o que tenho mais no computador (só de EGs são largos milhares), mas tentei que as conclusões fossem gerais. :)

No exemplo que dei chamei baixo a um PSA estava a pensar no C2 Cup de um amigo que tem jantes com ET +16. Um Civic usa +45, um S2000 por exemplo usa jantes +65 atrás. Mas a tendência é para todos os carros usarem offsets cada vez mais altos.

Os espaçadores podem de facto funcionar bem quando bem pensados e construídos (os da Eibach são aprovados pela TUV por exemplo) e usados para corrigir o offset para valores próximos do original. No entanto tipicamente os espaçadores são usados não para corrigir jantes com offsets demasiado altos, mas para baixar o offset de jantes que estavam bem para o carro, como por exemplo as originais. É sobretudo isso que não recomendo.  E depois há tantas histórias na internet de espaçadores partidos que havendo jantes adequadas logo à partida no mercado, penso que devem ser encarados como uma solução de recurso.

Uma coisa que queria ter dito e que me esqueci é que uma boa fonte de jantes é sempre o preparador oficial da marca respectiva. Ai sabemos que foi tudo pensado para funcionar em conjunto.
本田技研工業「夢の力」Associado AJA nº 65

prelude guy

 :duh: ainda por cima repeti-me.
Mas, já vi a ideia. Baixo: +15 (se for negativo, então é baixíssimo  :green:). Alto: +65.

Parece-me que esta tendência tem a ver com as jantes estarem cada vez mais largas e ao ter um ofsett muito alto o esforço é feito no interior do eixo e não no exterior, o que forçaria toda a suspensão. Este é um dos problemas de se baixar os offset.
Actualmente os eixos são já muito saídos, fazendo as rodas ficarem lá metidas dentro. Faz sentido, mas a malta aqui tem carros do tempo em que a largura das vias era estreita e as carroçarias largas. O TA22 é o pior de todos (digno do Jag Type E), mas exemplos não faltam...  8)
Toyota Celica 1973 vs. Honda Prelude 1982
Luís Duarte (Associado AJA #25)

rpm

Isto é muito relativo mas do ponto de vista actual eu arriscaria a dizer que menos de 30 é baixo. Nos anos 70 já não seria bem assim. 30 seria provavelmente bem alto.
本田技研工業「夢の力」Associado AJA nº 65

prelude guy

Desculpem lá estar a ser chato  :redface.
Eu não queria determinar um ponto absoluto para designar um offset de baixo ou alto.
Só queria esclarecer para que lado era o quê, porque eu na minha linguagem entendia exactamente ao contrário ("alto" = "agressivo" = "negativo").
Mas, está bem. Usamos a matemática e uma escala analógica com a das temperaturas. -10º é mais baixo que 5º que é mais baixo que 20º...

:thumbsup
Toyota Celica 1973 vs. Honda Prelude 1982
Luís Duarte (Associado AJA #25)

Toylex

Eu sou dos que mais interesse terá neste tópico, pois tenho algumas ideias futuras, KE25 arraçado de TE27 mas confesso que ainda não comecei a ler e já noto que vai muito bem embalado, vou ter serviço de acompanhaneto e leitura reforçado quando puder consultar  :green:
José Manuel Santos - Sócio AJA nº51

RT

Gosto de ver um carro rebaixado mas começo a ter dúvidas acerca da suspensão que tenho para montar no meu AE86. Tem molas de origem e estava bastante alto antes de ser montado. Agora que está com o motor montado e tudo, não achei o carro muito alto... Espero que as molas que tenho para lhe montar não baixem muito se não opto logo por umas originais!!!

Quanto a esta foto



O meu 86 estava assim :assobio :assobio :assobio Tinha espaçadores muito largos atrás.. Agora a jante ficou no ponto certo :thumbsup

Bom tópico!
'87 Toyota Corolla AE86 | '89 BMW E30 316i | '90 Renault 19 16S | '91 Toyota Corolla CE90 2.0TD | '98 Suzuki Samurai 1.9TD | '22 Brixton Cromwell 125 | '23 Renault Captur TCe
Ricardo Tomaz